Tuesday, December 08, 2020

Interbairros 2


Cowboy do Sítio Cercado estava

por Pinheirinho

após invadir a Campina

do Siqueira

e dela fazer um

Novo Mundo


Tinha Boa Vista

o Cowboy

devoto de Santa Cândida

na mira o Centro do alvo

que abriria o Portão

do Prado Velho

e libertaria seu cavalo

Babão


Era Centenário

o Batel encalhado

às margens do Barigui

que após uma enchente

voltou a flutuar e a conduzir

o Cowboy ao Bom Retiro


Sunday, October 25, 2020

Registros de Pandemia

Eu já sabia da sua fama. Tinha escutado muitas de suas histórias, mas nunca as levei a sério ou as ouvi com a devida atenção. E também nunca, absolutamente nunca, passou pela minha cabeça de que um dia fôssemos apresentados, tão pouco ficássemos amigos. 

E esse afastamento era meu ponto de segurança para que a desconfiança fosse legítima. Ou, principalmente, que me permitisse julgá-lo. 


E assim foram os anos. Na escola, você estava lá, como professor, mas eu não misturava sua ideologia a minha formação.


Estava lá, nos almoços em família, mas eu não misturava sua tradição a minha formação.


Estava lá, nos meus desafios, mas eu não misturava fé às minhas obrigações.


Até que um dia tivemos o primeiro contato. Uma pessoa em comum, da minha mais alta importância, nos apresentou. Você me cumprimentou e respeitou minha desconfiança. Não conversamos, não trocamos contatos, tão pouco fui stalkear seu perfil para saber sobre suas histórias. E assim o tempo passou. Passaram-se anos. Até que um dia procurei ajuda para superar um problema. E quando cheguei lá, você estava lá. E então deixei de desconfiar. Você me viu entrar, eu também te vi, trocamos olhares de quem sabia que um dia já havia sido apresentado, porém foram olhares de quem sabia que não havia intimidade. Poderia, inclusive, facilmente um de nós ter esquecido desse encontro. Mas não pude esconder minha surpresa em saber que ali também era seu local de trabalho.


Anos se passaram e sempre fui muito bem atendido por seus assistentes. Entendia que meus problemas eram poucos para chegarem até você. Inclusive eu não fazia ideia de como se chegava até você.


Até que um certo dia, no elevador, conversando com a vizinha, eu relatei as dificuldades que eu passava na vida. Ela ofereceu ajuda. Essa senhora foi até a minha casa, no horário combinado, e arrumou tudo o que estava desarrumado. Antes de sair, eu a agradeci muito e ela disse que imagina, ela tem um filho e que fez por mim o mesmo que teria feito por ele. Por coincidência, ou não, ela o chamou até o meu apartamento, para que fossemos apresentados. E adivinha quem era? Você! 


A partir desse dia, nos adicionamos nas redes sociais e começamos a trocar likes. Você começou a conhecer um pouco sobre mim e eu um pouco sobre você. O fato de sermos vizinhos, contribuiu para um vinho com pão aqui em casa. Um rolê totalmente aleatório, sem termos combinado nada, mas que aconteceu. E assim fizemos. Conversamos. 


Você pediu para que eu me despisse de desconfiança. E se mostrou despido de julgamentos. E só assim foi possível. Conversamos.


Foi rápido, mas foi incrível. Pude confirmar suas histórias e assim entender quem era. Você prometeu voltar, mas não disse quando. E esse novo dia chegou. Novamente rápido, novamente incrível. E a partir daí eu já morria de admiração por você.


Até que a verdade veio à tona. Foi durante a pandemia. Logo no início você me procurou e perguntou seu eu precisava de ajuda. Eu disse que sim. E prontamente você se pôs a me ajudar pessoalmente. Conversamos diariamente, o dia todo, por muitos dias, enquanto o número de mortos crescia. E conversar com você era um aprendizado que fazia muito bem. Contar com sua disposição em me ajudar naquele momento, era algo que inevitavelmente se transformaria em amizade. Até o que o número de mortos começou a reduzir e as nossas vidas a voltar ao normal, dando fim às nossas conversas. Consequentemente afastando a nossa amizade. Afinal de contas, tínhamos muito trabalho a fazer.


E é por isso que te escrevo hoje. Coloco essa carta sob sua porta, para que a leia quando chegar. Quero que saiba que não consigo mais viver sem a tua amizade. E que a nossa amizade não é só de uma via. Que eu estou aqui para o que precisar, pois conheço teu trabalho e sei que posso ajudar. E agradecer por tudo o que fez e faz por mim. Sei que ainda fará muito mais, e só por isso me sinto inferior, embora você mesmo tenha me ensinado que o que sente por mim é bem maior do que o que sinto pelas coisas mais belas desta Terra. Enfim, você é incrível e gostaria que soubesse que sinto isso de ti, pois nunca sabemos o dia de amanhã, principalmente numa pandemia. 


Sunday, July 19, 2020

Office PlayBoy

Era mais um sonhador
Nasceu sem pai, mas tinha amor
E desde cedo, conheceu a dor

Do preconceito
Do protetor
Do seu Ogum Babalaô

E assim cresceu
Na ponta da lança
Brilhava a esperança

Mas o sonho
Era outro
E caiu na tentação
iate e moet chandon
Garoto sangue bom

Desviou o dinheiro
desviou caminho
Mas era feliz o menino

Ah, mas era feliz o menino
Até que um dia o gatilho
Mudou todo o destino

E hoje seu protetor
Lhe olha nos olhos em busca daquele amor
Olha pra ele, menino
E diz que não acabou

Monday, June 08, 2020

Carta a um amigo

Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita

Mas te escrevo, como respeito aos nossos encontros.
Tenho aqui guardado alguns de seus discos,
inclusive de Chico Buarque.

A coisa aqui ta preta.
E infelizmente imagino que não tenha passado pelos melhores dias por aí.

Você disse combater o bom combate.
E sou testemunha do seu esforço.

Você disse ter completado a corrida.
E sou testemunha da sua chegada.

Você disse ter perseverado na fé.
E sou testemunha das graças.

Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades.

Mas se a vida até aqui me foi boa,
é porque fui seu bom combate.

Se hoje eu sou alguém,
é porque você completou a corrida.

E se hoje lhe escrevo,
é porque perseverou na fé.

Deus sabe o quanto é difícil pra mim deixar passar o vento.
Deus sabe o quanto é difícil pra mim deixar escorrer a água.
Deus sabe o quanto é difícil pra mim deixar vibrar o som.
Deus sabe o quanto é difícil pra mim deixar a vida viver.

Mas sem Deus,
Ninguém segura esse rojão.
E o que é Deus se não o amor.
E o que é o amor sem perdão?
Por tempos fui duro em lhe perdoar. Sabemos.
E eu sabia que de você só emanava amor.
Se o errado era eu, por que então eu julgava como errado você?
Se me bastam os discos e a bola de basquete,
o caderno passado a limpo,

as aulas particulares de matemática,
as medalhas da natação,
a cura da bronquite,
o judoca que há mim.
A caligrafia e o tom de voz,

as filhas, hipocondrias e epifanias,
gentileza, empatia e vitória.
Não do seu time,
como eram iniciadas as ligações telefônicas dos domingos à noite.
Meu caro amigo me perdoe, por favor.
Já sei que passas bem.
Que estás curado.

E que não lhe fiz uma visita.

Passo dificuldades,
mas sinto estar combatendo o bom combate.

Ainda tenho uma longa corrida,
mas espero completá-la.

Embora eu me sinta abandonado,
não deixo de perseverar na fé.

Deus tem um propósito para mim.
E você fez parte dele.


Obrigado!

A todo pessoal,
Adeus






Monday, May 04, 2020

Vamos dar uma festa

Resolvi dar uma festa.

Chamei os chegados, muito som, bebida, piscina, lua cheia, céu estrelado, temperatura agradável. A diversão, o amor, a dança, os sorrisos eram tudo uma coisa só.

Tudo corria bem até que um forte barulho de motores passou a ser o centro das atenções.
Eram motos dos mais variados estilos e carros não muito comuns em estacionamentos de empresa. Deles saíram uns caras que nada tinham a ver com o clima da festa. Eles foram se juntando. E juntos foram entrando. E entraram todos juntos. Eles todos juntos eram poucos, mas não se importavam com isso, pois davam conta de ocupar o dobro, o triplo do espaço ao qual tinham direito pela física.

Chegaram no som e escolheram as suas próprias músicas. Trocaram as bebidas pelas que trouxeram. Hostilizaram os convidados e me constrangeram. Tudo isso sem nenhuma violência. Mas estava claro que não hesitariam em usá-la em caso de necessidade, inclusive sem que ao menos tivesse algum motivo.

Como anfitrião, perguntei: quem são vocês?
Um deles se aproximou e respondeu: como assim, quem somos nós?
Ele olhou para todos e perguntou: vocês não sabem quem nós somos?
E ao perceber que ninguém fazia ideia do que estava acontecendo, começou a rir. E juntos riam. Gargalhavam.
E ainda rindo, olhou no fundo dos meus olhos e disse: nós somos a gangue Seus Erros de Sempre.
E o que fazem aqui? Perguntei, sem entender nada.
Oras, o que Seus Erros de Sempre Fazem aqui? Perguntou para que todos ouvissem.
Nós viemos fazer o que sempre fazemos. Disse outro, lá no fundo, com voz destorcida.
Então façam. Façam logo o que vieram fazer e nos deixem. Estamos aqui para celebrar a vida, tentei argumentar.
(...)

Dias depois, já recuperado, fui até umas quebradas tentar descobrir alguma coisa sobre aquilo. E conheci uns caras maus. Bem maus. Pensei, bom.... é desses caras que eu preciso para dar uma lição naqueles filhos da puta.

E dei outra festa. Os chegados e os caras maus. E lá pelas tantas, os motores roncaram. Eles chegaram. Já como os donos do pedaço foram entrando e dominando tudo como uma onda. Até que se toparam, os caras maus e os caras que se achavam maus.

Os caras maus não quiseram nem saber. E aquilo virou uma carnificina. Um conseguiu fugir, pelo bosque depois do quintal, do outro lado da piscina.

O problema é que agora os caras maus, pra sempre, estariam nas minhas festas.

Meu telefone tocou, numa manhã de quarta-feira. Estava no trabalho. Do outro lado da linha, ele se apresentou, era o fugitivo. Me alertava sobre o perigo que eu corria, ao estar andando com os caras maus. Logo ele.

"Nós só queríamos atenção. Os Seus Erros de Sempre gostavam de estar nos seus arrependimentos. Nas suas orações. Nos seus pedidos de desculpas. No seu medo. Na sua vergonha. No eco do seu silêncio. No seu fracasso. Gostávamos do status de poderosos. E era importante para nós mantê-lo longe dos caras maus, pois sabíamos que éramos poucos e fracos perto deles. E fazíamos isso muito bem, até que você mesmo os chamou. E agora só sobrou eu. E você vai ter que conviver com eles, agora. Lamento.

E o que eu deveria ter feito para não ter nenhum de vocês na minha festa, perguntei.
Ele, com tom de que não entendia o porque me falava o óbvio, mesmo assim respondeu: você nunca disse para irmos embora, que estávamos atrapalhando, que éramos indesejados. E como sempre fazíamos parte de tudo o que acontecia, achávamos que éramos importantes para você, responsáveis pelo seu destino.

E o que eu faço com os caras maus?
Não os convide mais!