Tuesday, March 29, 2005

Colcha de Retalhos

Certamente, o mesmo cara que descobriu a força foi o mesmo que depois inventou os limites. Certamente o mesmo cara que decidiu nos dar limites, foi o mesmo que depois ofereceu o medo. Certamente o mesmo cara que nos encheu de medos, foi o mesmo que tirou nossas forças.

O peso da descoberta são os limites, disse. Discorrendo sobre, o palestrante escorregou em sua contradição, estabelecendo uma nova ordem. Se não há limites, a descoberta não tem peso.

Em carne viva estava a ferida na nuca do telespectador. O mesmo dotava de uma espécie de tique nervoso, que o fazia coçar a nuca assiduamente sempre que se colocava em dúvida.

Pensava: “como terei trabalho para aparar esta grama”.
Penso: “como terei trabalho para rastelar esta grama”.
Pensarei: “como terei trabalho para ensacar esta grama”.

Na aula de ciências, fomos visitar uma estação de tratamento de água. Lá vimos que a mesma, para chegar potável até nós, passa por diversas fases.

Neste momento, um peixe acaba de fisgar um anzol.
Faltaram dicas para Silas não passar na entrevista. Hoje ele se pergunta: por que será?

Colcha de Retalhos

Certamente, o mesmo cara que descobriu a força foi o mesmo que depois inventou os limites. Certamente o mesmo cara que decidiu nos dar limites, foi o mesmo que depois ofereceu o medo. Certamente o mesmo cara que nos encheu de medos, foi o mesmo que tirou nossas forças.

O peso da descoberta são os limites, disse. Discorrendo sobre, o palestrante escorregou em sua contradição, estabelecendo uma nova ordem. Se não há limites, a descoberta não tem peso.

Em carne viva estava a ferida na nuca do telespectador. O mesmo dotava de uma espécie de tique nervoso, que o fazia coçar a nuca assiduamente sempre que se colocava em dúvida.

Pensava: “como terei trabalho para aparar esta grama”.
Penso: “como terei trabalho para rastelar esta grama”.
Pensarei: “como terei trabalho para ensacar esta grama”.

Na aula de ciências, fomos visitar uma estação de tratamento de água. Lá vimos que a mesma, para chegar potável até nós, passa por diversas fases.

Neste momento, um peixe acaba de fisgar um anzol.
Faltaram dicas para Silas não passar na entrevista. Hoje ele se pergunta: por que será?

Friday, March 18, 2005

CLASSIFICADOS

  • O Ministério da Cultura e Lazer está contratando músicos para tocarem em conchas acústicas situadas em espaços públicos. Podem cadastrar-se músicos de qualquer estilo para shows gratuitos de duas horas (pagos pelo governo). Os interessados devem estar inscritos na associação de músicos da sua cidade.
  • ONG seleciona voluntários que sejam pacientes e prestativos para conversar sobre diversos assuntos com idosos em filas de estabelecimentos, principalmente bancos, para evitar que os mesmos o façam com os atendentes, prejudicando assim o atendimento e o fluxo.
  • Auto-escola contrata instrutor especializado em ensinar a dar pisca-pisca antes de qualquer alteração de curso; ensinar o que é, para que serve, onde estão e como funcionam os espelhos retrovisores; ensinar a função de cada cor do semáforo e como e porquê devem ser respeitadas; ensinar didaticamente o que é um carro de som e sua diferença para um automóvel, e que tenha bom gosto para ensinar a teoria do ridículo e suas práticas, principalmente quando referente aos acessórios de um veículo.
  • Casa noturna contrata seguranças capazes de discernir violência, poder e profissionalismo. Estes deverão atuar somente na prevenção de tumultos, atuando de forma educada, preservando assim o nome da casa. Em caso de tumultos de maior amplitude (o que gerará demissão por justa causa, pelo simples fato de não ter a havido a prevenção) os profissionais da segurança poderão agir com maior rigor, porém nunca com violência ou ofensas. A casa deverá sempre ser preservada, afinal nosso cliente é o nosso sustento.
  • Troco controle-remoto, ótima marca, controle de volume, ajuste de cor e brilho da imagem, manipulação de canais, liga-desliga, mudo, entre outras funções, por livro do Julio Cortazar.
  • Vendo alma, virgem, ambiciosa, ou troco por eterno sucesso no show bizz como Rock Star.
  • Alugo elogios.
  • Emagreça com saúde. Não me pergunte como. Resultados garantidos.
  • Ambiente corporativo recruta secretárias com formação em acompanhamento executivo.
  • Empresa de tele-marketing dispõe de vagas para profissionais com deficiência auditiva, capazes de decorar textos. Início imediato, disponibilidade para viagens.
  • Escritório jurídico contrata profissional de advocacia especializado em ética, filosofia e sociologia, obrigatoriamente.
  • Agência de propaganda dispõe de vagas para redator júnior. Favor comparecer com portifólio que demonstre interesse em desenvolvimento de um mundo mais justo, humano e social.

Thursday, March 17, 2005

Aplause

Adonai compra uma carta. Era tudo o que ele precisava, muito embora não fosse o que ele queria. Um coringa naquele instante fez o tempo parar. Alguns pensativos minutos... Pressionado pela mesa, Adonai suja para sempre sua única canastra. Bate, mas com os pontos reduzidos pela metade, nada leva.
Na praça, o artista popular recita alguns versos. Porém em vão. Ninguém se aproxima, ninguém colabora. Tira do bolso um isqueiro com o qual acendia os tranqüilizantes cigarros. Do mendigo que dormia ao pé da igreja tomou de assalto a garrafa plástica de pinga. Tirou o chapéu, levou-o ao chão. Proferiu em forte e baixo tom:
- “Aproximem-se, vamos, aproximem-se. Venham ver com seus próprios olhos. Em poucos segundos atearei fogo em meu próprio corpo e sairei vivo! Vamos, aproximem-se.”
E em poucos segundos uma pessoa parou. Outra que passava, viu esta parar e também parou. Logo em seguida, outro parou com curiosidade. Não demorou muito e uma multidão se amontoava ao redor do artista. Grande maioria, nem sabia o que estava acontecendo, tamanho era o volume de pessoas. Todos se espremendo nas pontas dos pés.
Saindo do jogo, com a sensação de ganhar, mas não levar, Adonai espanta-se com a multidão de desocupados curiosos na praça. Continua seguindo seu caminho, até que ouve o artista entre a multidão ovacionada:
- “Vejam, preparem-se! Neste momento estou derramando álcool em meu corpo. Estão preparados? Isto é um isqueiro, no três pegarei fogo e acreditem: sairei vivo! Um, dois...”
Adonai percebe a loucura do homem, percebe que o mesmo quer se matar em praça pública, aos risos do povo. Um espetáculo sem gorjetas.
Antes do três Adonai já estava no meio da roda e com o isqueiro do artista na mão, impedindo o terrorismo.
Aos poucos a multidão se desfez, em quanto Adonai discutia com o artista sobre vida e morte. Sobre valores e questionamentos. Sobre virtudes e defeitos. Sobre amor e desprezo. Sobre sabedoria e fraqueza. Sobre alma e matéria. Sobre vida e morte.
Atônitos, a platéia aplaudiu de pé o espetáculo. Alguns não acreditavam na precisão do ensaio. Texto perfeitamente decorado. Dramatizações dignas de novela das oito. Texto apropriado e inusitado, acoplado às necessidades daquele povo. Proporcional às moedas e notas que transbordavam no chapéu.
Na noite anterior, Lúcia Len fazia as últimas alterações na produção da pré-estréia de sua peça. Lúcia Len achava ter produzido a galinha dos ovos de ouro. Tinha certeza que seria sucesso de bilheteria. Viajaria o país em turnê, por longos anos. Cecília, atriz de carreira invejável, convida Lúcia Len para um jantar, discutir os últimos detalhes, descontrair, assistir um filme, relaxar.
Já intencionada, Cecília acorda saudável. Lúcia Len intranqüila, toma destino à igreja, no intuito de confessar sua primeira noite de amor com uma também mulher. Desconfortável, presencia aquela cena na praça, a qualidade da peça, a reação da platéia, a tímida arrecadação para tamanha glória. Conversa com os atores no intuito de produzir aquela peça. Promessa certa de viajar em turnê pelo país por longos anos ganhando fortunas.
Os dois atores, que até então não haviam sido apresentados, que até então tinham suas vidas na corda bamba, assinam o contrato.
Anos depois, devido a uma longa noite de jogatina dispendiosa, Adonai faltou ao ensaio. O ator popular morreu queimado frente ao silêncio das cadeiras vazias.

Monday, March 14, 2005

Linhas Paralelas

Meu amor por você é tanto
Tanto é minha vontade de toca-la.
Por você eu suo dia e noite
Escorrendo como suor
Apenas quero tela
Apenas quero ama-la

Seu amor me engrandece
Seu suor nos agiganta
Nosso amor só cresce
Como água e planta

Tudo o que tenho é você
Tudo o que quero é você
Estou cada vez mais próximo de você
Mas quanto mais eu quero mais eu me derreto
Mais você cresce
Eu sumo e você aparece

Esse é o nosso amor.
Lágrimas e terror
Encerrado por uma dinamite
Enquanto éramos estalactite e estalagmite.

Thursday, March 10, 2005

RETRATO FALADO


“Ele (eu digo ele, mas seu gênero é a princípio indefinido) tinha mais ou menos a altura de um gigante. Sua calda era tão longa quanto meu susto. Mas o pior mesmo era o ruído que fazia ao abrir a boca, geralmente antecedendo um cuspir de chamas. Parecia um monstro, mas de figura muito amistosa – sabe aqueles personagens de desenho?
Por alguns minutos permaneci estático, mas percebi que algo só aconteceria a um primeiro movimento meu. Foi quando eu pisquei. Uma chama saiu da sua boca, parecia um catarro no inverno. Acertou-me como o arqueiro acerta o alvo.
Hoje estou aqui. No purgatório. Inocentemente. E exijo justiça. Quero que punam este ser labarento com cara de desenho.”


“Parecia um bonequinho. Daqueles que as crianças perdem por ai. Montava um outro bicho, mas com uma disposição diferente, o qual caminhava com as quatro patas além de possuir um rabo estranho. Este era seu cúmplice por sinal.
O bonequinho era diferente dos demais, pois externamente parecia estar protegido com alguma espécie de proteção metálica, acredito. Portava uma lança, descobri isto quando recitou algo dizendo que meu sangue iria sentir o gosto de sua lança. Quando fui dar risada da situação, engasguei-me. Sem querer cuspi fogo. Por incrível que pareça, a proteção do bonequinho funcionara. Porém o perdi em meio a fumaça que subiu com a árvore próxima. O outro bicho, não dava nem para comer! Tostou. Mas de repente, em meio a fumaça, não há de ver que o bonequinho me enfia aquela lança em meu peito? Que prepotente... Não deu nem tempo de meu sangue sentir o gosto, e vim parar aqui. O que eu faço?”

Tuesday, March 01, 2005

e-feitos (especiais)

Nelson pega sua mochila, preparando-se para mais uma viagem. Sai em rumo a tão sonhada Chapada do São Pedro. Caminha em meio aos cactos, afugentando os mosquitos que insistiam em provar seu sangue. Inusitadamente, um ruído ao fundo lhe chama a atenção. Nelson ignora, talvez seja coisa da sua cabeça cosmopolita. O ruído aumenta, dá quase para decifrar. Nelson parece não acreditar. Uma poeira levanta no horizonte, trazendo consigo uma Kombi, ano 1971, azul claro, com um mega-fone do qual o som de uma voz masculina mórbida recitava: “É o carro do sonho que vai passando... traga a vasilha!”. Nelson não acredita... ignora... até a hora em que lembra do sonho de doce-de-leite que sua avó fazia. Em meio aos cactos e poeira, dirige-se a Kombi e compra um irresistível sonho. Saboreia como água no deserto. Sorvete no verão. Um sonho.
Nelson olha o riacho que corre ao longe. Um bom banho naquele sol seria perfeito para limpar-se, refrescar-se. A figura de um senhor (muito) magro, de longos cabelos bancos que se misturavam com a barba e que à margem parado olhava para o fundo do riacho, lhe chamara a atenção. Antes de entrar no riacho, Nelson tenta encontrar o que o velho parece tanto procurar. Apenas alguns peixes desfilavam entre si, nada além disso. Ao introduzir a ponta do pé direito na água, o velho disse:
- Quer ser um deles?
Nelson não reage. Apenas em movimentos confirma a proposta.
O velho puxa uma bóia. Cede ao andarilho. Nelson despe-se e assenta-se. O corpo flui no leito do riacho. Uma experiência única. Nelson troca de energia com o riacho como um imã na geladeira. Lentamente brônzea seu corpo. Membros relaxados. Parecia um sonho. Não deu nem tempo de Nelson sentir que despencou em queda livre numa cachoeira de 48 metros.
Provavelmente o riacho desaguava no mar, única resposta que Nelson achou quando se deparou na ponta da prancha de um navio pirata. Com as mãos atadas, somente ouvia os gritos de Hey! que marcavam o ritmo da canção em coro. Nelson não tinha muitas opções quando as ordens do capitão agravadas pela espada diziam para que desse mais um passo à frente, aproximando-se cada vez mais da ponta da prancha.
Desesperado, Nelson pergunta:
- “Quais as minhas opções?”
- “Nenhuma”, aclama a tripulação.
A última espadada nas costas levou Nelson ao turbulento mar. Com as mãos presas pouco podia fazer, se não ser deixado levar pela correnteza. Em poucos segundos seu corpo encosta em terra firme. O esforço lhe dera náuseas suficientes pra que regurgitasse o sonho de doce-de-leite.
Ainda de mochila nas costas, dentro de um trem de inúmeros vagões, Nelson se depara com o cobrador lhe pedindo algo em uma língua intraduzível. As mímicas levavam a crer que se tratava do bilhete. (Mas que bilhete? Ele nem sabia o que estava fazendo ali...) O velho ao seu lado conversa com o cobrador e parece resolver a situação. O velho, por sinal, lhe parecia familiar. Mas ambos não conversam. Ao chegarem na estação o velho fala:
- Você desce aqui.
- Porque? Onde estou? Quem é você? O que houve?
- Desça. O trem já vai partir.
Ainda incrédulo Nelson desce do trem. Na estação sua família e amigos lhe aguardavam com ansiedade e saudade. Uma recepção calorosa e festiva.
Ao ler a capa do jornal na banca, a manchete: “Garoto que se perdera dos pais em trem em viagem de férias, é encontrado. Chega hoje na estação principal em viagem de volta no mesmo vagão”.