Monday, May 04, 2020

Vamos dar uma festa

Resolvi dar uma festa.

Chamei os chegados, muito som, bebida, piscina, lua cheia, céu estrelado, temperatura agradável. A diversão, o amor, a dança, os sorrisos eram tudo uma coisa só.

Tudo corria bem até que um forte barulho de motores passou a ser o centro das atenções.
Eram motos dos mais variados estilos e carros não muito comuns em estacionamentos de empresa. Deles saíram uns caras que nada tinham a ver com o clima da festa. Eles foram se juntando. E juntos foram entrando. E entraram todos juntos. Eles todos juntos eram poucos, mas não se importavam com isso, pois davam conta de ocupar o dobro, o triplo do espaço ao qual tinham direito pela física.

Chegaram no som e escolheram as suas próprias músicas. Trocaram as bebidas pelas que trouxeram. Hostilizaram os convidados e me constrangeram. Tudo isso sem nenhuma violência. Mas estava claro que não hesitariam em usá-la em caso de necessidade, inclusive sem que ao menos tivesse algum motivo.

Como anfitrião, perguntei: quem são vocês?
Um deles se aproximou e respondeu: como assim, quem somos nós?
Ele olhou para todos e perguntou: vocês não sabem quem nós somos?
E ao perceber que ninguém fazia ideia do que estava acontecendo, começou a rir. E juntos riam. Gargalhavam.
E ainda rindo, olhou no fundo dos meus olhos e disse: nós somos a gangue Seus Erros de Sempre.
E o que fazem aqui? Perguntei, sem entender nada.
Oras, o que Seus Erros de Sempre Fazem aqui? Perguntou para que todos ouvissem.
Nós viemos fazer o que sempre fazemos. Disse outro, lá no fundo, com voz destorcida.
Então façam. Façam logo o que vieram fazer e nos deixem. Estamos aqui para celebrar a vida, tentei argumentar.
(...)

Dias depois, já recuperado, fui até umas quebradas tentar descobrir alguma coisa sobre aquilo. E conheci uns caras maus. Bem maus. Pensei, bom.... é desses caras que eu preciso para dar uma lição naqueles filhos da puta.

E dei outra festa. Os chegados e os caras maus. E lá pelas tantas, os motores roncaram. Eles chegaram. Já como os donos do pedaço foram entrando e dominando tudo como uma onda. Até que se toparam, os caras maus e os caras que se achavam maus.

Os caras maus não quiseram nem saber. E aquilo virou uma carnificina. Um conseguiu fugir, pelo bosque depois do quintal, do outro lado da piscina.

O problema é que agora os caras maus, pra sempre, estariam nas minhas festas.

Meu telefone tocou, numa manhã de quarta-feira. Estava no trabalho. Do outro lado da linha, ele se apresentou, era o fugitivo. Me alertava sobre o perigo que eu corria, ao estar andando com os caras maus. Logo ele.

"Nós só queríamos atenção. Os Seus Erros de Sempre gostavam de estar nos seus arrependimentos. Nas suas orações. Nos seus pedidos de desculpas. No seu medo. Na sua vergonha. No eco do seu silêncio. No seu fracasso. Gostávamos do status de poderosos. E era importante para nós mantê-lo longe dos caras maus, pois sabíamos que éramos poucos e fracos perto deles. E fazíamos isso muito bem, até que você mesmo os chamou. E agora só sobrou eu. E você vai ter que conviver com eles, agora. Lamento.

E o que eu deveria ter feito para não ter nenhum de vocês na minha festa, perguntei.
Ele, com tom de que não entendia o porque me falava o óbvio, mesmo assim respondeu: você nunca disse para irmos embora, que estávamos atrapalhando, que éramos indesejados. E como sempre fazíamos parte de tudo o que acontecia, achávamos que éramos importantes para você, responsáveis pelo seu destino.

E o que eu faço com os caras maus?
Não os convide mais!