Era Natal de 85.
Meu filho já sabia andar e começava a desembestar a correr. Jogar
bola com ele me fazia sentir como estar talhando o talento de um novo Messi.
Achei então que era chegada a hora da tão sonhada bicicleta. Eu havia planejado
este presente com ele o ano inteiro. Na hora de comer, o Papai Noel estava
olhando. Na hora de dormir, o Papai Noel estava olhando. Na hora do banho, o
Papai Noel estava olhando. O Papai Noel nunca viu chantagem. O Papai Noel
sempre via quando comia tudo, quando dormia sem chorar e quando saía cheiroso
do banho. O Papai Noel era tão legal, que no Natal ele ia até a casa das
pessoas entregar pessoalmente um presente personalizado para todas as
pessoas a quem olhava. Bastava apenas enviar uma carta dizendo o que queria e o
porquê. Convencido de que a carta já estava no Polo Norte, a bicicleta amanheceria
em baixo do pinheirinho. Na manhã seguinte, uma euforia invadiu minha noite
ainda mal dormida, após as festividades natalinas em família. Pulava sobre a
minha barriga como se estivesse em uma cama elástica! A felicidade ainda não conseguia
sair em palavras. Com o decorrer do dia, eu quase morri de tanto correr para
cima e para baixo empurrando aquela bicicleta. E assim foi até o fim do ano.
Todo santo dia! Na varanda da vó, no domingo no parque, na garagem de casa. No
dia seguinte após o réveillon, achei que já era hora de tirar aquelas rodinhas.
Tirei uma e passamos a semana criando coragem para também tirarmos a outra.
Criamos todo um momento especial para a retirada da segunda rodinha. A mãe dele
filmava toda a alegria e incentivo que estavam no ar. Era um dia de festa. Um dia muito
especial. Fomos lá então. Corri. Empurrei. Me certifiquei de que já estava
seguro. E sem ele perceber eu o soltei. Dois metros depois, quando meu orgulho de pai
já não cabia mais em mim, o guidão foi prá lá, pra cá, prá lá e pra cá cada vez
mais rápido até a bicicleta, como um touro mecânico, o arremessar de frente no
chão. O capacete protegeu a cabeça, mas o estrago foi grande. O trauma foi
duradouro. Como pai, me senti mal em não ter corrido até o fim, mesmo que ainda
houvesse fôlego. E então deixamos a bicicleta de lado, por um bom tempo.
Voltamos ao futebol no quintal e outros passatempos. Mas eu não parei de
pedalar. E todo final de semana que íamos à casa de praia, eu ia de bicicleta.
Caminhando pelo calçadão em uma tarde de sol, ele viu uma garotinha, que pedalava
de um jeito que parecia chacoalhada pelo vento. Olhou para mim e perguntou se
eu não o ajudaria de novo. Eu respondi que sim. E que desta vez a gente conseguiria! Hoje, dificilmente eu estaria pedalando tanto se não houvesse o seu incentivo
em me acompanhar na decida da serra.