Monday, August 12, 2013

Boa viagem

Via a vida como uma vitrine. E sem dinheiro, via na vitrine uma barreira. Mas gostava de admirar as ofertas, o movimento dos clientes, a vendedora maquiada. Alguma coisa naquela vitrine lhe chamava a atenção. Prendia sua vista. Tomava o seu tempo. O fazia esquecer de piscar os olhos. Aquela vida, aquele mundo, que existiam do outro lado daquela vitrine, pareciam ser onde queria estar. E todo dia ele ia lá e ficava admirando até as luzes se apagarem. Num desses dias, a vendedora maquiada lhe olhou, sorriu não mais que o habitual e foi até a porta em sua direção. Perguntou se ele não gostaria de entrar, apenas para conhecer a loja. Levemente envergonhado, achou muito cordial da vendedora maquiada e aceitou o convite. Maravilhado, olhou tudo. Experimentou tudo. Tocou em tudo. Mas não levou nada. Agradeceu à vendedora maquiada que lhe atendeu com muita atenção e partiu ao apagar das luzes. No dia seguinte, ele chegou ao seu ponto rotineiro de observação e reparou que havia um papel na vitrine, anunciando uma vaga de emprego. Ele não pensou duas vezes e entrou. Falou com a vendedora maquiada, que falou com a gerente, que falou com os donos. Ele estava contratado. Seu trabalho era manter a vitrine limpa. De fora, via a vida do lado de dentro. De dentro, via a vida do lado de fora. E no apagar das luzes, agora recebia dinheiro. Depois de alguns dias de trabalho, em seu dia de folga, voltou à vitrine mas não parou. Entrou direto e saiu com a sua primeira compra. Incontrolavelmente feliz, convidou a vendedora maquiada para um café no intervalo. Outro dia a convidou para o cinema. Enquanto isso, a limpeza da vitrine aumentava as vendas. E ele já não sabia mais o que era a vitrine. Aquele vidro, que era limpo por dentro e por fora, que de um lado era feliz e do outro também, agora é só um vidro. Que ele só que manter limpo. Por dentro e por fora!

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