Via a vida como
uma vitrine. E sem dinheiro, via na vitrine uma barreira. Mas gostava de
admirar as ofertas, o movimento dos clientes, a vendedora maquiada. Alguma coisa
naquela vitrine lhe chamava a atenção. Prendia sua vista. Tomava o seu tempo. O
fazia esquecer de piscar os olhos. Aquela
vida, aquele mundo, que existiam do outro lado daquela vitrine, pareciam ser
onde queria estar. E todo dia ele ia lá e ficava admirando até as luzes se
apagarem. Num desses dias, a vendedora maquiada lhe olhou, sorriu não mais que
o habitual e foi até a porta em sua direção. Perguntou se ele não gostaria de
entrar, apenas para conhecer a loja. Levemente envergonhado, achou muito
cordial da vendedora maquiada e aceitou o convite. Maravilhado, olhou tudo.
Experimentou tudo. Tocou em tudo. Mas não levou nada. Agradeceu à vendedora
maquiada que lhe atendeu com muita atenção e partiu ao apagar das luzes. No dia
seguinte, ele chegou ao seu ponto rotineiro de observação e reparou que havia um
papel na vitrine, anunciando uma vaga de emprego. Ele não pensou duas vezes e
entrou. Falou com a vendedora maquiada, que falou com a gerente, que falou com
os donos. Ele estava contratado. Seu trabalho era manter a vitrine limpa. De
fora, via a vida do lado de dentro. De dentro, via a vida do lado de fora. E no
apagar das luzes, agora recebia dinheiro. Depois de alguns dias de trabalho, em
seu dia de folga, voltou à vitrine mas não parou. Entrou direto e saiu com a
sua primeira compra. Incontrolavelmente feliz, convidou a vendedora maquiada
para um café no intervalo. Outro dia a convidou para o cinema. Enquanto isso, a
limpeza da vitrine aumentava as vendas. E ele já não sabia mais o que era a vitrine.
Aquele vidro, que era limpo por dentro e por fora, que de um lado era feliz e
do outro também, agora é só um vidro. Que ele só que manter limpo. Por dentro e
por fora!
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