Meu bisavô havia
adquirido umas terras com um dinheiro que ganhou em uma ação trabalhista contra
o Porto de Paranaguá. Para resumir, na época ele jogava as sacas do trem para o
silo. Teve uma série de problemas na coluna e respiratórios. O laudo da perícia
comprovou que a morte dele foi em decorrência dos anos de trabalho no Porto.
Meu pai, que acompanhou todo o sofrimento do seu avô, estudou direito e
trabalhou no processo do começo ao fim. Com a sua parte dos honorários
construiu uma casa em uma das terras e passou a levar uma vida agrária de
subsistência à beira do rio. Ali eu nasci e cresci. Jogando bola com as
galinhas, andando de bicicleta com os cachorros, cavalgando da escola para a
igreja. Com o tempo a civilização começou a se aproximar do sítio. Fumaças eram
avistadas no horizonte frente ao pôr do sol. Um dia um grupo de engenheiros
bateu à porta de casa. Fizeram uma série de perguntas a meu pai. Mostraram
papéis, mapas, fizeram anotações e deram alguns tapinhas nas costas dele. Eu
fingia fazer a tarefa da escola enquanto tentava entender aquele teatro. A hora
do almoço chegou e a minha mãe fez questão de botar à mesa. Pratos para todos.
Os engenheiros primeiramente ameaçaram uma despedida, mas recuaram ao sentir o
cheiro do baião de dois. Gostaram tanto que perguntaram se a minha mãe não
poderia ser a cozinheira deles enquanto realizavam uma obra ali por perto.
Negociaram e ela topou. Eu ainda não estava entendendo. Dias depois os
engenheiros já faziam parte da família. Dias depois uma estrada já fazia parte
do sítio. Dias depois a minha mãe tinha um restaurante na beira dessa estrada.
Embora eu tenha estudado direito e administração, hoje eu sou chef no
restaurante. Mas ainda moro no sítio. Acabei fazendo amizade com um grupo de
motoqueiros que sempre paravam ali em suas longas viagens a passeio. Acabei
inclusive por comprar uma bela moto e a acompanhá-los quando possível. Com o
tempo e a intimidade eles iam me convencendo a ir morar na cidade, pois lá eu
ganharia mais dinheiro. Teria maiores oportunidades. Eu já conhecia a rotina da
cidade nas minhas viagens a passeio ou de negociação com certos fornecedores. Não
fazia sentido pra mim sair do sítio. Não saí.
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