Monday, November 27, 2006

Ingratidão

Tive uma grande idéia: precisava ter uma idéia. Resolvi me calar. Ficar em silêncio por toda a eternidade que fosse possível. Por palavras como essas (eternidade, infinito, acalanto, diabo, filho da puta) resolvi me calar. Alguém inventou, alguém gostou e por isso todos as usam. E todos gostam. Por pura falta de discernimento. “Eternamente, éter na mente”. Resolvi me calar. Usar o silêncio como onomatopéia (outra palavra no banco dos réus aqui) poética. Resolvi me calar.

“o mudo fala tudo
o que o mundo precisa
saber
o cego se cala
sem ponto de vista
é a opinião do mudo
preferir se abster
do vasto vão do mundo
que é a pura falta de
futuro"

Tuesday, November 21, 2006

A vida de Wildorff

Enquanto isso, na floresta encantada de Blützgorh, Wildorff dorme inquieto após um dia fraco de caça. As lebres começam a hibernar neste período que antecede o inverno e as aves de rapina se tornam injustas competidoras por comida. Wildorff não se preocupa com a fome, mas com o frio. Os pêlos das lebres são excelentes nesta época do ano. Ele acredita ter lenha o suficiente para o inverno todo, mas nunca se sabe. As raízes e folhas, em meio a água fervente e umas gotas de suor fazem um caldo maravilhoso, que se tivesse um peito de lebre então... hummm
Nosso Wildorff sabe que logo chegará a primavera e que as lebres sairão para brincar.

Saturday, November 18, 2006

Resistência MGM

Um pesquisador químico analisou as diversas espécies de pragas de milharal e elaborou um poderoso agente neutralizante. O inseticida era capaz de prevenir qualquer ataque, o que onerou em um lucro faraônico ao pesquisador. O que o tempo mostrou é que o poderoso agente era também o grande responsável pela mutação dos milhos, que vinha perdendo qualidade a cada safra.
Naquela época, o mercado atento aos problemas genéticos ainda não comprovados pelo milho mutante, passou a boicotar a compra e venda do produto agrícola. Os agricultores, sem ter o que fazer com as sacas, atearam fogo na produção e descobriram assim a pipoca.
Em uma espiga do noroeste do Paraná, era chegada a hora da colheita. Devidamente ensacados e embalados, alguns grãos foram vendidos à fábricas de pipoca convencional e outros à fabricas de pipoca de microondas.
Em uma grande quermesse no interior de São Paulo, a barraquinha de pipoca vendia "a rodo". Crianças, jovens, adultos, pais, namorados, todos comiam a pipoca.
Em uma panelada, o fogo esquentava o óleo rançoso no fundo. Esquentava tanto que alguns grãos não resistiam e estouravam. Até mesmo os que ainda acreditavam ser milho de latinha.
De repente, estavam todos estourando. Alguns para fazer parte do grupo, outros com medo de ficar sozinhos, já outros sempre sonham em ser pipoca. Eu não. Nunca admiti ser pipoca. Nasci milho. Algum químico maluco, alterou geneticamente milha família que teve que aceitar ser vendida a um preço ridículo para fins mundanos. Eu não. E se todo mundo pensasse como eu, com certeza teríamos mais respeito. Resisti. Me queimei. Mas não estourei. Sou aquele grão no fundo do seu pacotinho. Um dos poucos militantes da resistência dos milhos geneticamente modificados (RMGM).
Defendemos a idéia de que se não estourarmos, as pessoas deixarão de consumir pipoca. Só assim deixarão de plantar o milho pipoca ou de manter a alteração genética. Queremos apenas ser o que Deus nos mandou ser: milho!

Friday, November 17, 2006

Morrer vicia

Vivia se drogando,
com a desculpa de um amor
impossível
era a droga
do amor

Wednesday, November 15, 2006

Ser ou não um ser

Ação e reação
Culpa, perdão
Nem sim, nem não

Se dói a cabeça
Bebi demais
Se dói a barriga
Comi demais
Se dói a alma
Pequei demais

Ação e reação
Culpa, perdão
Nem sim, nem não

Andar sobre as águas
Se afogar
Tentar voar
Se arrastar
Conquistar, ganhar
Chorar

Ação e reação
Culpa, perdão
Nem sim, nem não

Ser ou não ser
Não é a questão
Pois não há ser
Sem culpa
Não há ser
Sem perdão

Tuesday, November 07, 2006

Cantada versão beta

Todo dia, quando desço do ônibus, cruzo a avenida principal, compro os pães de queijo para o café do escritório, páro na banquinha para ler as manchetes do dia, cumprimento meu amigo que trabalha no ponto de táxi, desvio as obras de saneamento na calçada, recebo uns panfletos, dou uma desculpa diferente para o mesmo garoto pedinte, quando chove dou uma leve discutida com as pessoas que andam de guarda-chuva sob as marquises, passo por aquela moto linda na vitrine e sempre nessa hora, você passa por mim. Todo dia! Já troquei o perfume, mas não adiantou. Você sempre age como quem nunca me notou. Como te conhecer se não sei me comunicar? Sou além de grosso, desastrado.... e gaguejo quando nervoso. Se ao menos eu soubesse escrever alguma coisa, tipo uma poesia, faria uma carta. Ou copiar uma canção, mas não sei seu gosto musical. Eu poderia te seguir e descobrir onde trabalha. Descobrir seu nome, telefone, e-mail, dados pessoais... te convidar para sair, jantar... não, não poderia! Eu chegaria atrasado e perderia o emprego. Não teria mais dinheiro para te convidar. Nem assunto para conversar. Não sei falar de outra coisa a não ser sobre meu trabalho. Atender pessoas que querem se suicidar dá bons assuntos. Como então farei para te conhecer? Para que preste a atenção em mim?
Certo dia, um daqueles de chuva, estava tão emburrado com meu sapato de sola furada, que nem reparei nas pessoas com guarda-chuva sob as marquises. Um carro passou então por uma poça e banhou-me todo. Molhou, ou melhor, encharcou meu terno que eu mais prezava. Como ir trabalhar desse jeito? Chegar atrasado ou molhado? Independente, seria mandado embora. Decidi segui-la. Quando fui procura-la, olhei e ela estava do meu lado, igualmente molhada. Tão brava quanto um cão pastor. Nos olhamos e começamos a rir. Ríamos sem parar. O que faríamos naquele momento? Ela disse que trabalhava perto dali, em uma loja de roupas usadas, e que poderia me ceder algumas roupas a um preço baixo. Acompanhei a moça. Ela me ofereceu algumas peças. Paguei e fui embora. Ela me chamou. Pensei estar muito atrasado já, mas parei para ouvi-la, como faria com um bem-te-vi, certamente. Ela me perguntou o nome, respondi, gaguejando. Perguntou se eu poderia fazer-lhe companhia no almoço. Disse sem pensar que fa-fa-faria o pooooooooooooooooooooooooooossível. Despedi-me e parti, com a responsabilidade de voltar pega-la as 12h15.
Como te conhecer se não sei me comunicar? Sou além de grosso, desastrado.... e gaguejo quando nervoso. Se ao menos eu soubesse escrever alguma coisa, tipo uma poesia, faria uma carta. Ou copiar uma canção, mas não sei seu gosto musical.