Até minha infância, me recordo bem de meu pai aparecendo na TV. Na época não se tinha internet, então não era possível acompanhar a repercussão em todo o mundo de seu nome, embora a Lúcia fosse uma assessora de imprensa com muita competência. Lúcia por sinal é minha mãe e está escrevendo um livro sobre a história de vida de meu pai. É um relato para a memória do País. Nunca poderemos esquecer a braveza com que ele disputava a Volta da França, mesmo com equipamento inferior. Seus dois títulos foram os únicos troféus desta nação naquele torneio, que é talvez o mais importante do esporte. Hoje em dia meu pai está adoecido. Há anos não pedala. Já eu vim estudar medicina há mais de 500 kilômetros. Me formei ao fim do ano passado, mas há 12 anos eu já moro sozinho e bem longe de casa. Por todo este tempo eu acompanhei meu pai somente adoecer. Suas vitórias eu vi muitas, mas não por muito tempo. E eu encarei aquela corrida para vencer. Eu não tinha outra opção para vencer na vida, como meu pai um dia havia vencido. Nos víamos até que com certa frequência semestral, mas a cada vez eu via que as coisas só pioravam para ele. Eu sentia que eu precisava voltar para casa. Mas como? E os estudos? E em pouco tempo eu consegui passar em uma residência em uma cidade vizinha a de meus familiares e velhos amigos. Havia um jeito de eu transformar aquela novidade e uma nova etapa da vida. Confesso que nunca fui atleta e nunca tive o tipo físico para tal, mas comprei uma bicicleta nova, equipei-a com algumas parafernálias próprias para viagem e saí pedalando em direção a minha infância. Foram longos 62 dias de estrada, muitas fotos e histórias para contar. Quando cheguei em casa, aquilo reacendeu em meu pai seu espírito competitivo e viver passou a ser o seu grande desafio. Contei-lhes então na mesa do jantar as minhas novidades e que estava voltando para ficar. Hoje pedalo com meu pai todos os dias e estamos com as vidas em plena forma e vigor. Felizes!
Não somos obrigados a ter que tocar sempre as mesmas notas, nem por isso somos obrigados a improvisar.
Tuesday, August 23, 2011
Sunday, August 14, 2011
DE BANDEIJA
Seu Adamaceno era um garçon já experiente. Atendia na casa desde 1998, muito antes da reforma de ampliação. Naquele dia Seu Adamaceno chegou em casa e comentou sobre uma mesa de 7 homens que consumiu muito vinho por duas horas no restaurante e que ao fim lhe deu uma boa gorjeta. Dia seguinte, já sorridente, Seu Adamaceno comenta que de novo aqueles homens foram ao restaurante, na mesma mesa e beberam outros vinhos, novamente por cerca de duas horas. Quando um dos homens pediu para fechar a conta, pensando na gorjeta Seu Adameceno deu o pulo do gato ao ser questionado se o último vinho era por conta da casa. Ele havia negociado com o dono algumas garrafas das melhores safras, as quais deixava na adega do restaurante somente aguardando estes momentos. Surpreendeu aos homens e ganhou os melhores clientes da sua vida, pois eles iam religiosamente todos os dias, de segunda a sexta . Foi assim por dois meses. Os meses em que a casa de Seu Adamaceno esqueceu a miséria. Era churrasco com os amigos. Era churrasco com os vizinhos. Era churrasco com o compadre. Era churrasco com a família. Passou a multiplicar o valor do dízimo e ganhar mais respeito na comunidade evangélica que frequentava. Se tornou pastor nas horas vagas e andava sempre bem alinhado. Homem de muita fé, agradecia fielmente aqueles 60 dias de dádivas. Até o dia em que os 7 homens entraram pela porta da frente do restaurante sacando armas até então só vistas no cinema anunciando voz de sequestro. Estavam sequestrando o estabelecimento. Todos ali dentro foram revistados e levados aos banheiros sem seus respectivos celulares, notebooks e ipads. Jóias e relógios de valor foram roubados. Seu Adamaceno, já conhecido dos homens, ficou de refém caso o plano necessitasse de uma garantia para a fuga. Do telhado do restaurante eles passaram a monitorar os sinais enviados pelos ratos de laboratório infiltrados nos esgotos da mansão que ia até o outro lado da quadra. Imagens e sons, frequências cardíacas, detector de metais e dados trocados via celular eram um pacote de informações que naquele momento já estavam mapeadas. O pesadelo de Seu Adamaceno ainda não havia começado. Os homens precisavam que alguém entrasse na casa pelos fundos e disparasse o alarme, chamando a atenção da empresa de monitoramento para a rua de trás. Pela rua da frente invadiram a casa e praticaram um dos maiores roubos bem sucedidos da história do crime organizado, sem mortes e sem a captura de nenhum dos 7 ladrões. Seu Adamaceno até hoje come o pão que o Diabo amassou no sistema prisional e continua pregando a palavra divina com a mesma energia que o motiva um dia voltar a ter a sua vida de garçon.
Friday, August 05, 2011
Uma lesão por esforço repetitivo
O cachorro que latia no portão anunciou a chegada do carteiro. Tomou a decisão de abrir o envelope. O tremor dificultava a ação da tesoura. Havia medo em suas mãos que escorria em suor. Do outro lado da sala, atrás da mesa, seu pai apenas aguardava com um olhar inquisidor. Ali perto, a poucas quadras sua namorada preparava-se para descer do ônibus. A leitura durou cerca de um minuto, o mesmo tempo que levou para sua testa franzida se transformar num sorriso maroto. O pai, do outro lado da mesa, agora em pé ansiosamente pergunta: passou? Neste momento toca a campainha e o cachorro late anunciando a chegada da namorada. Larga o envelope sobre a mesa próximo ao pai e corre para a garagem. Pega a namorada ali mesmo no portão e felizes vão comemorar presos no congestionamento.
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