Tuesday, February 15, 2005

O triste fim de Policarpoquaresma

Um banco sustenta James e sua viola sobre o palco corroído pelos cupins. As caixas de som vomitam as músicas depressivas de James, amplificadas pelo microfone. No balcão, o cotovelo roxo apóia o corpo embriagado de Argemiro. No canto do bar, o barman ocioso traceja mais um plano infalível que o levará a dormir com a garçonete novamente. Na porta do Bar Bosa, o porteiro conta as horas para poder fumar seu baseado enquanto anda em direção ao ponto de ônibus. O relógio de Argemiro apita; os ponteiros estão retos e verticais.
James canta o refrão de uma música própria, sem se cansar, repetindo como se estivesse amargurando um amor: “Quem me dera, amar tanto ela. Quem me dera, passar o tempo sem lembrar dela. Quem me dera esta linha paralela”.
Argemiro chora.
A garçonete, que já o conhecia de clientela, vem consolá-lo. Segura sua cabeça, lhe acaricia os cabelos ralos. Argemiro pede suspiradamente mais uma tequila. A garçonete aconselha que é melhor ele ir para casa.
No canto do bar, o barman assiste àquele teatro: a garçonete, falando ao pé do ouvido de Argemiro, sussurrando juras de prazer, assim como fizera com ele. Talvez ela esteja apenas provocando ciúmes, apenas testando seu sentimento. Ou talvez ela esteja procurando novas emoções. Por via das dúvidas, os dois motivos exigiam somente uma reação: pular sobre o balcão em direção de Argemiro e desconfigurar sua face.
A reação de James é emendar outra saideira, e começa então a tocar “Justiceiro”.
A garçonete grita, chora, mas nada pode fazer além disso. O porteiro, pilando o baseado, ouve os gritos e barulhos de cadeiras. Olha para o baseado e pensa. Pensa... Eis que num risco, ele adentra ao bar após ouvir uma garrafa sendo quebrada. São poucos os segundos que separam o momento em que o porteiro passou pela porta e agiu em separar a briga. Era feio o estado de Argemiro, que não reagiu em nenhum momento, tampouco defendeu-se. Mas o barman, tomado de cólera, só desgrudava a mão da face de Argemiro para tomar impulso para um novo soco. Só restou ao porteiro, partir para cima do barman. Agora era o porteiro, que praticamente marretava o barman, haja vista o carinho que todos tinham por Argemiro. E a garçonete quase desmaiava de desespero. Seu namoradinho apanhando, Argemiro esparramado no chão diluindo-se em sangue e James cantando: “olha só, que cara estranho que chegou...”.
Alguns arruaceiros, que perambulavam pelas ruas ainda aquelas horas, passaram na frente do Bar Bosa. Avistaram a portaria vazia. Gritos dentro do bar. A uma quadra dali, um carro da polícia fazia ronda. Os arruaceiros aproveitavam para arrombar o caixa. Nada restou de dinheiro daquela noite movimentada no Bar Bosa. Ao saírem correndo, deixando algumas notas caírem, foram surpreendidos pela polícia, que também não perdoou e abriu fogo, desferindo disparos em direção aos arruaceiros.
A situação agora era de caos. O barman não respirava mais, Argemiro agonizava, a garçonete em prantos, o porteiro já queimando as pontas dos dedos, James cantando “when the music is over, turn of the lights...”.
No casamento de Argemiro com a garçonete 2 meses depois, James tocava a marcha nupcial, enquanto o porteiro dialogava com um colega de cela:
- Este lugar é um inferno, fazem 2 meses que não sei o que é um baseado. Conversa o porteiro.
- Eu que o diga, tinha acabado de sair, quando eu e uns amigos doidões vimos um caixa de bar sem porteiro. Aproveitamos pra fazer a limpa, mas demos de cara com a polícia metendo fogo na gente...
O porteiro fora condenado a mais 15 anos.

3 comments:

Anonymous said...

Porteiro, acho q vc precisa de um advogado novo... me liga!

Anonymous said...

Belo repertório esse do James. No mais, me senti assistindo o programa do Acióli.

Anonymous said...

bingo, yaco