Wednesday, September 28, 2005

Traumas de uma Criança Mimada.

Era uma maravilha as tardes na casa da avó. Passear de pônei no jardim, sentir o cheiro do bolo de nozes com chá de pétalas de hibisco, jogar bola com o cachorro desengonçado, subir na árvore centenária, soltar pipa até a linha a estourar, ouvir as histórias da infância de meus pais, da juventude do vovô, dos meus tios que moram no exterior, sem contar quando nevava nas férias. A lareira, o mesmo cobertor xadrez com um furo de traça no meio, as sopas de beldroega (que mal pareciam me fazer), os passeios de trenó nos dias de sol, os filmes regados a vodka (nunca me ofereciam), os animais silvestres que apareciam na janela com o cheiro do almoço. Os aniversários que lá aconteciam, todos reunidos, todos brincavam, todos cantavam, todos conversavam, todos ajudavam na louça, todos ajudavam a limpar a sala e o jardim. Ah! O jardim. Um imenso jardim. Minha avó trocava as plantas conforme se alternavam as estações do ano. Assim que chegava o outono, eu sentia uma inveja tremenda do caseiro que parecia se divertir no tratorzinho que cortava a grama. Será que um dia vovô deixaria eu cortar a grama com o tratorzinho? Enquanto isso eu passeava de pônei. Não lembro o nome do pônei, por sinal nem do cachorro desengonçado. Talvez isto explique o fato de eu tê-lo soltado no inverno o que o fez congelar, matando-o de frio. O cão.... bem, o cão... foi buscar a bolinha que eu havia jogado no lago, e não conseguiu voltar. Também morreu. Hum, o lago... quase me esqueci do lago! O lago ficava meio longe da casa, mas era sempre visita obrigatória. Tinha um barquinho que leva ao outro lado. Do outro lado tinha uma casinha abandonada. Quando fiquei mais velho era ali que eu fumava maconha. Parei quando descobri que ali se matou um padre por ter molestado um moleque vizinho, o qual era meu amigo de infância. Talvez por isso ele (o tal moleque) tenha me incentivado a soltar o pônei na neve... talvez por isso ele tenha me ensinado a jogar bola com o cão desengonçado. Enfim, nunca mais o vi. Me assustei quando o reencontrei me vendendo maconha. Quando fiquei mais velho fazia dessas coisas. Meu avós, morreram, meus pais adoeceram, meu tios nunca mais se corresponderam e meu vizinho foi preso. O caseiro ainda tomava conta da casa, do jardim, do lago, dos animais e eu acabei nunca cortando a grama com o tratorzinho. Por sinal, acho que foi por isso que acabei estragando o freio do tratorzinho. Talvez por isso ele tenha ido parar no lago, afundando com o caseiro que o dirigia, matando-o afogado, já que como o cão, não sabiam nadar. Conforme passavam as temporadas, o mato ficava cada vez maior. Passou a ficar impossível visitar o lago. Certa vez a polícia invadiu o terreno (já não havia mais jardim) em busca de um fugitivo. Encontraram meu ex-vizinho-ex-moleque escondido no matagal. Talvez por isso ele tivesse me convencido a estragar o freio do trator quando fui levar maconha para ele na cadeia. Uma empresa de empreendimentos imobiliários ofereceu uma boa quantia de dinheiro pelo terreno e vendi. Quando pensei estar rico, apareceram meus tios do exterior, levando quase toda a grana no rateio. Fiquei com um montante que não me permitia comprar nenhum imóvel, móvel ou automóvel. Por isto estou escrevendo esta carta, pois agora estou me matando. A vida passou a ser impraticável neste momento. Espero ter uma melhor sorte na próxima vez. Espero também ter aprendido. Espero ter ensinado. Espero que alguém leia e publique.

1 comment:

Anonymous said...

Foi acidental essa deturpação da imagem aos poucos. Mas gostei da idéia. ;D
Ainda não li esse teu último Panda.