A máquina de escrever registrava aquele depoimento, metralhando letras no papel, deixando o escrivão com caimbras nos dedos e dores no ouvido e cabeça. Nenhuma novidade para o delegado que já havia desvendado o caso. Restavam boquiabertos os componentes do júri e o público que assistia em troca de não fazer nada melhor.
- Sim, fui eu! Disse o réu.
- Não, não foi... Disse o delegado.
Ninguém entendia nada, até que chamaram a única testemunha: Sr. Firmino, o servente de pátio da escola.
Após juramento, Firmino começou a revelar que o réu não estava no local no momento do crime. Para provar, Firmino levou os cadeados dos portões dizendo que os mesmos só abriam com a respectiva chave, fazendo demonstrações, além de afirmar que as mesmas não tinham cópias. Em seguida, levou impresso um documento da secretaria mostrando que o réu já havia passado a carteirinha às 17:50h para saída. Ou seja, era realmente impossível que o mesmo fosse o culpado, até porque ele não poderia estar lá.
O delegado agradeceu e pediu para que Firmino se retirasse.
O réu, já rouco de tanto repetir “fui eu, juro! fui eu!!!” voltou a repetir, arriscando-se a ficar sem voz, o que lhe impediria de tentar argumentações.
O delegado pediu licença, levantou-se, acendeu um cigarro ansiosamente, e com fúria encheu a sua caneca preta com traços longitudinais brancos, de café. Fez questão de não colocar açúcar. Tragou, bebeu, tossiu, babou, limpou, respirou fundo. Lentamente dirigiu-se ao réu e indagou-lhe? Mas porque, filho? Eu sei a resposta, mas quero ouvir da sua boca. Por que?
Um silêncio tomou conta do ar logo após o escrivão narrar as perguntas do delegado. Ouviam-se os olhos piscando, os corações batendo. Línguas entre os lábios mordidos.
“Eu só queria provar que existem falhas, mas mesmo assim vocês não acreditam”.Disse o réu.
Imediatamente o delegado soltou com toda a força de seu ombro, um soco de punho fechado na mesa, fazendo que todos saltassem de susto. E gritou: “Levem-no daqui. Desapareçam com ele. Sumam com esse moleque”.“Burguesinho...” sussurrava o delegado.
Ao ser abraçado por dois policiais que possuíam força o suficiente para dividir um cano de cobre com as mãos, cada um agarrando-lhe um dos braços, viu-se sendo arrastando aos piores destinos. Imóvel, imobilizado, fraco e sem voz, o réu olhou para o delegado e disse: “Fui eu, sim. Agora todos saberão. Só assim saberão.”
O delegado arregalou os olhos, pensou rápido, olhou para o lado imediatamente, avistou no camarote o prefeito fazendo movimentos de negação com a cabeça. Então soltou um grito que na mesma hora fez com que os policiais soltassem o réu e encerrassem os murmurinhos. Sem jeito, o delegado disse: “Vá pra casa, filho! Você nada fez. Nada pode fazer. Foi provado. Ande, vá embora.”
O cigarro do delegado estava metade em brasa.
No dia seguinte, na mesma escola, o garoto continuava o mesmo. Olhos negros, sentado no canto do pátio, saboreando sua maçã com o canivete que carregava no bolso, disparando olhares aos demais que ali brincavam, apenas esperando que alguém o chamasse.
2 comments:
óh, quanta injustiça.
réu, vc tem namorada?
Post a Comment